graciano codes

Breve reflexão sobre as "empresas juniores"

Atualizado em 12 de Agosto de 2021, com correção de fatos sobre a fundação da EJCM.

Este texto é a coisa mais blog, blog mesmo que este site já publicou até a presente data. Não tem por objetivo tirar nenhuma conclusão muito grande sobre nada. É uma mera coleção de explicações, anedotas e pequenas reflexões sobre o assunto Empresa Júnior. Por que? Porque algumas pessoas ficam surpresas de saber que isso foi um assunto na minha vida. E as que sabem sempre me fazem muitas perguntas.

# O que é Empresa Júnior

Uma EJ (chamada assim a partir de agora) é uma pessoa jurídica sem fins lucrativos formada por alunos de graduação, que quase sempre faz serviços de consultoria a preço baixo. Ela possui um vínculo formal ou não com uma universidade. Na minha época (2013-2015) esse vínculo não ser formal era mal visto.

# A EJ que já fui membro

EJCM, Empresa Júnior de Consultoria em Microinformática. A sigla é meio que abandonada, por ter esse significado jurássico de quando o tamanho do computador era algo relevante. Talvez você tenha conhecido uma pessoa que chamasse um computador de “micro”. O nome é antigo porque ela foi fundada antes de eu nascer: 1990. Foi a primeira do Brasil. E a primeira da América Latina na área de TI. E quem estiver lá muito provavelmente vai fazer questão de enfatizar estes fatos dependendo da oportunidade. A EJCM é vinculada ao curso de Ciência da Computação da UFRJ (que eu não terminei).

Tive muita sorte de entrar na época que entrei. Tinha muita gente boa lá e devo parte do meu sucesso na carreira ao conhecimento que adquiri com essas pessoas. Então, caso o leitor seja do meio e potencialmente se sinta mal com a maneira que o resto do texto vai se desenvolver, saiba que nem tudo se joga fora, mas não me proponho a dar soluções neste momento.

# Empresa em Universidade Pública????

Pois é, essa também foi a minha reação. E se essa foi a sua reação, sinto lhe informar que ela está correta. Por mais que tentem chamar de “movimento”: MEJ - Movimento Empresa Júnior. “Movimento” e “Empresa” numa mesma sigla, parece que vai sair uns patos da FIESP ou uma galera do MBL. Como saí do “movimento” antes da polarização e do golpe em 2016, escapei de uma possível tortura, porque esse é sim o perfil político do “movimento”, segundo o DataGraciano. Eu até dei sorte que isso não foi necessariamente verdade dentro da EJ que participei na minha época.

Não só minhas impressões pessoais mostram o perfil ideológico do “movimento”, mas também o próprio Planejamento Estratégico das instituições evidencia isso. Para ficar em um exemplo, segundo a doutrina empresarial, a confederação nacional de EJs (mais a seguir) determina uma missão para o MEJ: “Formar, por meio da vivência empresarial, empreendedores capazes de transformar o Brasil”. Pois já veja aí que o objetivo dessa galerinha do barulho é reproduzir (mais a seguir) a realidade brasileira para “transformá-la”. Em que? Para quem? Como já diria Paulo Freire, neutro é detergente, né meu amigo.

Para mais um outro exemplo, um dos “valores inegociáveis” da citada confederação em 2014 era m e r i t o c r a c i a. Parece que não era tão inegociável assim, porque felizmente ao pesquisar no site deles, não existe mais esse valor listado.

# O ecossistema de EJs pelo Brasil

Existe uma cadeia de instituições formadas por membros de EJs que são análogas ao futebol brasileiro: existem federações estaduais (no meu caso, era a RioJunior) e a confederação nacional (Brasil Jr, ou BJ). Existem eleições para cada um dos cargos das instituições, em que os eleitores são os presidentes de EJs. Mais parecem entrevistas de emprego, só que sem salário, porque o sistema todo é baseado em trabalho voluntário.

Em 2014, era comentado que o “movimento” tinha um “PIB” de 9 milhões de reais.

# Eventos e Coachs

Neste mesmo ano, fui no ENEJ: Evento Nacional das EJs (siglas, siglas, siglas!). Fui de graça porque a EJCM programou o sistema de inscrição do evento e eu trabalhei nisso. Tinha coisa interessante no evento, mas muitas palestras se encaixavam no que na época chamávamos de “empreendedorismo de palco” e que hoje chamam de Coach mesmo. Também havia algumas que caíam num meio termo, mas que no geral serviam de propaganda para recrutamento para programas de trainee ou bolsas de educação pra essa galera endinheirada pagar menos imposto de renda.

No geral, foi divertido conhecer um pedacinho de Vila Velha-ES, beber com os amigos, fazer networking e ter meu e-mail cadastrado em infinitas listas ilegais de spam.

# A vez que eu “dei um pito” num rapaz da BJ e percebi que o “movimento” está condenado a reproduzir desigualdades internamente

Não me lembro exatamente das circunstâncias, mas um paulista e um paranaense da BJ foram para o Centro de Tecnologia, na UFRJ, falar sobre empresas júniores. Por eu ser o comunista questionador do bonde, me sugeriram atravessar a rua depois da aula e ouvir o que os camaradas empresários tinham a dizer. Até porque eram pessoas responsáveis pelo planejamento estratégico do próximo período na confederação. Depois de fazerem o pitch de sempre, alguns alunos (coitados) tiraram suas dúvidas e uma aluna da Educação Física teve a oportunidade de fazer uma pergunta. Isso faz pelo menos 5 anos, mas no melhor da minha memória, o diálogo foi algo como: “poxa, vocês baseam tudo em trabalho voluntário, mas e quem é fodido? Não tem como participar dessa grande oportunidade apresentada aqui não? Pq eu moro no alojamento, qualquer coisa que eu faça preciso ter um mínimo de compensação…”, disse a aluna.

“Mas veja bem, nós estamos criando um ambiente para formar as pessoas, não é pra ninguém tirar vantagem disso”, disse o paulista. O paranaense complementou, sendo menos sonso que o paulista, citando coisas como “de fato é um clichê conhecido dizer que o MEJ é elitista”, como se dizer que o céu é azul ser um clichê tornasse o céu de outra cor. Daí, levantei a mão.

“Eu tenho uma pergunta parecida. Outro dia conversando com o presidente da minha EJ nós reparamos que a maioria das EJs são de universidades públicas. Este ano, 12,5% das vagas das universidades federais são destinadas a cotistas. Pela lei de cotas, esse número só vai crescer até chegar em 50% das vagas nos próximos anos. O perfil descrito pela nossa colega só vai aumentar nas federais. A Brasil Júnior tem algum tipo de planejamento para este cenário?”

“Veja bem”, disse o paulista, dançando para não deixar evidente que ele era contra cotas e que o discurso anterior dele de “tirar vantagem” era como ele enxergava as cotas. Eu ouvi o resto da enrolação do paulista, ri, desisti, levantei e fui embora.


Bem, isso é o que eu tenho de publicável. Queriam que eu fosse diretor ou mesmo presidente da EJCM, mas óbvio que recusei. Continuei lá por um tempo aprendendo, ajudando outros a aprender e foi isso.