Em muitos fóruns, no próprio stackoverflow, chats em grupo, etc, existem algumas regras. Geralmente são coisas como:
- não pergunte se já perguntaram a mesma coisa antes
- mostre algum código para o problema ser reproduzível
- descreva o problema específico
São regras razoáveis para o formato de fórum, visto que as informações estão indexadas de uma maneira fácil de serem recuperadas por quem está interessado. Para o caso de chats em grupo eu discordo que o primeiro item se aplique. Mas já vi o argumento de que em grupos muito grandes isso funciona bem. De qualquer forma, quando alguém infringe essas regras o comportamento comum (principalmente no stackoverflow) é de total condenação do “infrator”. Afirmam sem pensar muito que a pergunta não presta. Ou que cai no tal problema XY e pronto: você está sumariamente cancelado.
# Para aqueles que não sabem, segue uma descrição do que é o problema XY.
Problema XY é quando se faz uma pergunta sobre uma suposta solução sua e não o problema de fato que se quer resolver
Suponha que Mari fez um código bugado que nunca vai funcionar. Pobre Mari, todos podemos sentir sua dor, mesmo que ela ainda não saiba que vai doer. Ela te pergunta como resolver a mensagem de erro exibida na tela. Ao invés de descrever o que ela precisa solucionar. E eventualmente receber uma resposta que mostra a razão pela qual a abordagem estava errada pra começo de conversa. O código era bugado, mas ela não percebeu. Para esse tipo de erro tão comum, deram o nome de XY, pois a pergunta é sobre a solução Y ao invés do problema X.
Se pesquisar por aí sobre o que é o problema XY, você provavelmente vai achar um exemplo esdrúxulo de extrair água de coco usando um tanque de guerra. Por mais que alguém possa achar o exemplo engraçado, a ideia passada é que quem comete o erro é burro e culpado pelo erro. Ao invés de tratar a questão uma oportunidade para aprender a fazer perguntas melhores. Em muitas comunidades é comum a prática de dispensar logo de cara uma pergunta por “não mostrar esforço de pesquisa”, ou cair no problema XY com uma arrogância gigantesca. Por mais que a crítica seja válida, existem espaços que de fato vão te banir por “fazer uma pergunta idiota”, mas se alguém faz “piadinha” homofóbica tá tudo bem. Esquecem que já foram iniciantes e de cima de seus privilégios criam panelinhas insuportáveis. Já vi gente assim que está parada no tempo e mal consegue entender as razões de estarem desatualizados. Não admitem quando estão errados e não raro sobem na carreira por corporativismo.
# Dado este cenário, ainda fica a questão: existe pergunta idiota?
A pergunta é um problema XY, portanto algumas pessoas a classificariam como idiota. Ela tem um “problema de premissa”, digamos assim. Fazer esta pergunta tenta resolver o “problema” de “parecer idiota” ao se fazer uma pergunta. Respondê-la com sim é visto com arrogância e responder com não é visto com inocência. Quando aprendizado acontece dentro de um processo dialético. Se, ao fazer uma pergunta, a pessoa é hostilizada por ela, o problema é do ambiente e não necessariamente da pergunta. Por mais que a pergunta possa “entregar” defeitos.
Dependendo de um contexto, faz sentido avaliar a inteligência ou mesmo a boa intenção de uma pergunta. A questão no ambiente das comunidades de TI na internet é justamente essa: não há vantagem alguma em avaliar qualidade de uma pergunta, a não ser que seu objetivo seja justamente criar um repositório de perguntas pesquisáveis no Google. Mesmo assim, no caso do stackoverflow, o zelo por tais regras criou um ambiente em que fazer uma “pergunta idiota” era recebido com pedras e fazer uma piada transfóbica com o uso de variáveis binárias (verdadeiro/falso) para registro de gênero (caracterizado como “sexo”) num banco de dados era algo permitido e até mesmo encorajado por outros usuários. Eu até tinha salvo a fonte para essa informação, mas sinceramente, não acho que traria nada de positivo reproduzi-la no meu site.
# ‘Commoditização’ de perguntas
O capitalismo de dados criado pelo monopólio de buscas do Google foi o que pariu o fórum stackoverflow. Surgido em 2008, muitas pessoas da área se surpreendem com o fato de a plataforma ser relativamente tão “jovem”. Sem o contexto do Google, nós teríamos hoje o que havia antes de eu começar a programar (comecei em 2008): um ecossistema diverso de vários fóruns, como ainda acontece em alguns cantinhos da internet.
Por um lado, a plataforma criou um excelente repositório de informações e fontes de maneira aberta para qualquer um acessar. Isso foi extremamente positivo para o crescimento profissional de muitas pessoas devs pelo mundo. Por outro, tornar perguntas da nossa área um produto com qualidade auferível criou o ambiente ideológico atual na nossa área. Quando eu faço uma “pergunta idiota” para uma designer, ela me responde. O mesmo acontece com advogados, jornalistas, qualquer outra profissão…
Tenho esperança de que a situação vai melhorar. Comecei a escrever este texto dois anos atrás e para publicá-lo agora precisei remover alguns trechos desatualizados, além de trocar a conjugação de alguns verbos para o passado. De qualquer forma, caso você seja iniciante, continua sendo recomendável “seguir as regras” para uma boa pergunta. Não para evitar ser hostilizado, mas para o seu próprio crescimento. E caso você seja a pessoa respondendo, fica aqui um conjunto de sugestões, já que cagar regra não é para mim:
- pense que você já foi um iniciante
- se for usar código, que ele seja compreensível na sua resposta
- tudo bem apontar problemas na pergunta, mas contextualize suas afirmações, para que a pessoa não se sinta atacada